O meu primeiro romance “Nevoeiro” está a caminho do seu sétimo aniversário. Na altura, com 18 anos, sentei-me ao computador com uma ideia e só descansei quando ela estava escrita, completa, feita numa história. No entanto, fruto da tenra idade e da ansiedade gerada por querer ter o livro na mão o mais rapidamente possível, cometi alguns erros que, felizmente, geraram lições importantes.
Assim, ficam aqui 5 lições que aprendi no processo de escrita do meu primeiro livro.
- As ideias vêm da nossa vida normal
Há uma noção, à qual dei o nome de “potencial literário”, que mais não é do que uma ferramente para descobrir a melhor forma de uma ideia, para prender a atenção dos leitores ou espectadores. O “Nevoeiro” começa com uma discussão entre duas pessoas que, após um primeiro acto de violência, dá origem a uma confusão descontrolada numa estação de comboios. A verdade é que eu próprio presenciei essa discussão. Só que… não teve violência. Esse “twist” deu-lhe o gatilho para prender a atenção do leitor e para desenrolar a história. Por isso, quando nos queixamos de falta de criatividade ou falta de ideias, só temos de olhar para a nossa vida diária e dar-lhe “um toquezinho”. (E às vezes nem precisamos do toquezinho…)
- Consistência é a chave
É preciso alguma disciplina para trabalhar um romance até à sua forma perfeita. No meu caso, o processo foi lento e acelerado em simultâneo, por paradoxal que pareça. Se, por um lado, foi lento, na medida em que não tive a disciplina que hoje tenho para trabalhar a história de uma forma cadenciada, por outro escrevi quase meia história numa frenética noite, sem dormir. E isso tem implicações no ritmo da própria história. O ritmo deve ser decidido por questões criativas, e não passar para as páginas fruto do ritmo da própria escrita. Daí que estabelecer uma rotina, sobretudo para principiantes, é a melhor forma de nos disciplinarmos.
- A escrita é um processo de desconstrução
Quase como a escultura, o acto de escrever é o de desconstruir um mundo que já existe dentro da nossa própria cabeça enquanto escritores. Mas, para isso acontecer, temos de, efectivamente, criar esse mundo. Dar largas à imaginação e dar corpo ao universo que pretendemos criar, às personagens. Conhecê-las como se fossem amigos próximos, deixá-las falar dentro da nossa mente. Partindo desse conhecimento completo sobre a nossa história, vamos desconstruindo-a para o leitor, sabendo que nem tudo fará parte do resultado final. Mas quanto melhor conhecermos esse mundo nosso, melhor será a história.
- Tempo, tempo, tempo: deixar a história repousar
Parte da disciplina que é exigida a quem se compromete a escrever um livro tem também que ver com a capacidade de… não fazer nada. De terminar a história e deixá-la respirar, descansar, sem olhar para ela. Enquanto escritores, viciamo-nos no manuscrito, sabemo-lo quase de trás para a frente, e precisamos de criar algum distanciamento. Na escrita, como na vida, conseguimos ter uma melhor percepção quando nos afastamos e olhamos de fora. E, após esse processo de distanciamento, poderemos dar largas a um trabalho de edição que implicará cortes, mudanças, alterações, que serão tanto mais difíceis de operar, quanto mais próximos estivermos da história que criamos.
- Perceber que uma história é como uma dança: é feita a dois
A doutrina diverge sobre para quem escrevemos quando escrevemos. Tenho uma opinião clara sobre isto: quem diz que escreve para si próprio mente, quando decide partilhar o que escreve. Penso que quando permitimos ao público ler-nos, abrimos parte de nós para conhecidos e desconhecidos. E essa noção de complementaridade entre quem escreve e quem lê é importante, na medida em que o processo da história só se completa quando ela chega às mãos do leitor. E esse mesmo leitor fará interpretações que nunca sonhamos sequer. Mas que enriquecem o universo daquela história sem lhe mexer nas palavras. Por fim, termos presente a ideia de que alguém nos lerá ajuda-nos a tomar decisões: temos de nos colocar constantemente na pele do leitor, tentando perceber se ele, que tem menos informações que nós sobre o mundo que criamos, conseguirá sempre estar a par do que vai acontecendo. Manter o leitor activo, dentro da história, é algo que todos os escritores devem procurar atingir.
Muitas outras lições absorvi do processo de escrita do romance, mas penso que estas foram as principais. O acto de escrever é estimulante, difícil, por vezes, mas provoca uma das melhores sensações do mundo, quando sentimos o impacto das palavras lá fora.